sábado, 7 de abril de 2018

O EX-FAXINEIRO QUE VIROU PRESIDENTE DO STF E PODE SACUDIR AS ELEIÇÕES

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa costuma dizer que a vida pública no Brasil é “um apedrejamento constante”. Porém, a partir de sexta-feira, ele deu um passo que o coloca novamente na posição de alvo: filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) e deve ser o candidato da sigla à Presidência.


Essa caminhada pode acabar no dia 7 de outubro, data de seu aniversário de 64 anos e também do primeiro turno das eleições. Se eleito, Barbosa será o primeiro presidente negro da história do Brasil.

Nascido em família pobre da pequena Paracatu (MG), pai pedreiro, primogênito de oito irmãos, Barbosa foi faxineiro como a mãe, digitador em gráfica, estudante de Direito em universidade pública. Depois vieram o mestrado e o doutorado no exterior, o cargo de procurador da República, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e, depois, a presidência da Corte – também o primeiro negro nessa cadeira.
Barbosa surge como possível candidato carregando uma imagem de luta contra a corrupção, perfil criado durante o julgamento do mensalão, que condenou petistas históricos à prisão pela primeira vez. Agora, desponta no cenário eleitoral no momento em que políticos e partidos tradicionais são alvo de denúncias, processos e prisões. Um deles, por exemplo, foi quem indicou Barbosa ao STF: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve sua prisão decretada.
Sua postura “rígida”, condenando vários réus a anos de prisão, garantiu popularidade e capas de revistas semanais como um “homem que estava mudando” o país.
Por outro lado, o conturbado julgamento também criou entre críticos uma imagem de juiz arrogante e intransigente. Um julgador que, ao defender suas teses, não aceitava opiniões contrárias. Foram muitas as discussões acaloradas com Ricardo Lewandowski, que era o revisor do processo.

Em um dos episódios, o relator afirmou que o colega de Corte fazia “vistas grossas” contra fatos que apontavam que os réus recebiam propina. Para ele, não era possível divergir de fatos.

Lewandowski se disse “estupefato” com a declaração, acrescentando que Barbosa não aceitava quem o contrariasse. O presidente do STF na época, Ayres Britto, concordou com Lewandowski e disse que fatos podem ser interpretados de formas diferentes por diversas pessoas.
Faxineiro, digitador, estudante
Joaquim Barbosa, ou Joca, seu apelido, saiu de Paracatu no começo dos anos 1970. Tinha 16 anos. Queria fugir da pobreza e estudar. Acabou fazendo um bico de faxineiro em um tribunal de Justiça em Brasília antes de entrar na profissão de digitador na gráfica do Senado.
Trabalhava à noite, digitando textos para o Jornal do Senado, enquanto terminava o antigo 2º grau em uma escola pública.
Logo depois, passou no vestibular de Direito na Universidade de Brasília (UnB), tida como um dos polos de resistência estudantil à ditadura militar que regia o país.
Era um época conturbanda na UnB. Em 6 de julho de 1977, a universidade foi invadida por tropas militares comandadas pela ditadura.
Estudantes foram presos; e professores e funcionários, intimados. O estopim foi uma greve que estudantes e professores declararam para dar um fim às agressões que sofriam. Por coincidência, a intervenção na universidade veio depois de estudantes de Direito pedirem um habeas corpus, reinvindicando o direito de assistir às aulas durante a greve – Barbosa não fazia parte desse grupo.

Em entrevista recente, ele lembrou dessa época. “Assisti a muitas aulas com policiais na porta, vi colegas sendo presos na saída da faculdade.”

No ano seguinte, Barbosa fez parte de um coletivo de alunos de Direito que assumiu o Diretório Acadêmico da universidade, rompendo uma direção anterior que era mais idenficada com a direita.
O então aluno não atuava de forma extensiva no movimento estudantil que combatia o regime. Sua militância era mais na área jurídica, segundo José Geraldo de Sousa Junior, contemporâneo de Barbosa na universidade.
“Ele foi uma das pessoas que criaram um núcleo na UnB que dava apoio jurídico para pessoas pobres sem acesso a advogados”, lembra Sousa Junior, hoje professor de Direito na UnB. “Foi um núcleo inovador, porque na época não existia Defensoria Pública.”
Sousa Junior acabou por reencontrar o colega anos depois – ele como reitor da UnB e Barbosa como ministro do STF.
Nessa ocasião, em 2011, o STF julgava uma ação de inconstucionalidade proposta pelo Democratas contra a política de cotas raciais da UnB. A universidade foi pioneira no Brasil ao implantar, em 2003, um sistema que reserva parte das vagas do vestibular para negros.

“O Joaquim Barbosa teve um papel importante nesse processo (julgamento da ação), participando de várias audiências públicas e votando a favor das cotas”, lembra Sousa Junior. “E o voto dele foi simbólico. Primeiro porque ele é ex-aluno da universidade. Depois, por ser negro e ter estudado ações raciais afirmativas na pós-graduação. Ele era referência e sujeito nesse processo”, diz o professor.
Em seu voto, o magistrado defendeu as cotas como políticas públicas voltadas para concretizar princípios constitucionais de igualdade e neutralizar “efeitos perversos da discriminação racial, de gênero, de idade e de origem”.
“Essas medidas visam a combater não somente manifestações flagrantes de discriminação, mas a discriminação de fato, que é a absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem”, declarou, na ocasião.
Procurador, ministro
Nos anos 1980, depois de concluir a graduação, Joaquim saiu do país para melhorar sua formação. Fez mestrado e doutorado em Direito Público na Sorbonne, tradicional universidade francesa – uma época que ele classifica como “enriquecedora” e que ajudou a diminuir sua timidez crônica. Fala inglês, francês e alemão.


Na volta, trabalhou no setor jurídico do Ministério da Saúde e, depois, passou em um concurso para o importante cargo de procurador da República, no Rio.

Em 2003, o então presidente Lula procurava uma pessoa para assumir uma cadeira no STF. O petista queria um negro. A costura para indicação envolveu os ministros Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, e José Dirceu, da Casa Civil – nove anos depois, o petista acabou condenado por Barbosa no processo do mensalão.
Em 11 anos como ministro, Barbosa votou a favor de temas considerados progressistas, como a união homoafetiva, o aborto de anencéfalos e pesquisas com células-tronco.
Sua passagem pela principal Corte do país, no entanto, ficou marcada por sua rígida postura diante de casos de corrupção e pelas famosas discussões com os colegas – ele decidiu sair do STF, mesmo podendo ficar.
Em uma das brigas, depois de o então ministro César Peluzo chamá-lo de inseguro, Barbosa retrucou, afirmando que o colega era “desleal, caipira e tirano”. Em outra, disse que Gilmar Mendes não estava falando com “um de seus capangas do Mato Grosso”.
Ele também já teve rusgas com jornalistas. Em março de 2013, chamou um repórter Felipe Recondo, à época no jornal O Estado de S. Paulo, de “palhaço” e o mandou “chafurdar no lixo”. O repórter havia pedido os gastos de gabinete e de viagens do ministro por meio da Lei de Acesso à Informação.
Meses depois, Barbosa pediu para o então presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, afastasse a mulher de Recondo, Adriana Leineker Costa, do cargo que ela tinha no STF. O ministro afirmou ser “antiético” o fato de Costa trabalhar no tribunal tendo como marido um jornalista. Ela acabou sendo deslocada para outro tribunal.
Outro caso polêmico ocorreu quando o magistrado processou o jornalista Ricardo Noblat, acusando-o de racismo, difamação e injúria.
Em sua coluna no jornal O Globo, Noblat criticou Barbosa por se envolver em discussões durante o julgamento do mensalão. Ele escreveu: “Para entender melhor Joaquim acrescenta-se a cor – sua cor. Há negros que padecem do complexo de inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para enfrentar a discriminação”.
Na denúncia, o Ministério Público Federal concordou com Barbosa. “Ao afirmar que o ofendido pertence à categoria dos negros autoritários, o denunciado extrapola a injúria racial (…) pois as ofensas passaram a visar não apenas uma pessoa (…) mas sim menosprezar, induzindo à discriminação de todas as pessoas de cor negra”, escreveu o órgão.

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