quarta-feira, 2 de novembro de 2016

PALAVRÃO RACISTA EXPÕE DILEMA DA ÁFRICA DO SUL PÓS-APARTHEID

Uma motorista sul-africana branca, depois de ter seu carro arrombado por ladrões, xingou os policiais negros que foram atender ao chamado. Ela disse que os negros eram "incompetentes e inúteis", antes de soltar o xingamento racista mais ofensivo local.
O termo usado foi "kaffir".

A palavra é o epíteto mais controverso da África do Sul, um termo que historicamente foi usado pelos brancos para rebaixar o povo negro e é considerado tão ofensivo que raramente ele é dito em voz alta ou escrito de forma completa.
Por causa de sua diatribe racista, registrada em vídeo no começo deste ano, a motorista, Vicki Momberg, está sendo julgada e provavelmente terá de pagar uma multa pesada. Por causa de sua atitude racista e de várias outras parecidas, os legisladores na África do Sul, onde as feridas do apartheid permanecem abertas, estão se mobilizando para tornar o discurso de ódio um crime passível de até 10 anos de prisão.
Esta semana, a África do Sul lançou um projeto de lei que criminalizaria o racismo ao direcionar futuros casos de discurso de ódio a tribunais criminais em vez dos tribunais civis, onde atualmente são tratados.
"Os discursos recentes de racismo e muitos outros incidentes de crimes bárbaros perpetrados sob a influência de ódio racial, apesar de nossos esforços nas duas últimas décadas para construir nossa nova nação sobre esses valores, requerem medidas mais profundas", disse o ministro da Justiça, Michael Masutha, em uma coletiva de imprensa na segunda-feira (24).
A ação do governo desencadeou um debate polêmico. Criminalizar o discurso de ódio, segundo opositores, teria um efeito assustador sobre outra vitória conquistada a duras penas: a liberdade de expressão. De acordo com a proposta de lei, o discurso de ódio seria definido de forma geral como uma comunicação direta ou eletrônica que "advogue o ódio", incite a violência ou cause desacato ou ridicularização.
Quem cometer o crime pela primeira vez pode ser punido com até três anos de prisão, e um reincidente poderia ser preso por até 10 anos.
Para além das penalidades rígidas, de acordo com os críticos, a lei proposta também acabaria desviando dos verdadeiros problemas da África do Sul, onde os negros têm poder político, mas onde o poder econômico e a influência cultural continuam de forma desproporcional nas mãos dos brancos, que correspondem a somente 9% da população.
"A raça e o racismo deveriam ser entendidos como problemas estruturais, problemas de desigualdade, para serem resolvidos através de um programa de justiça, e não de criminalização", diz Joel Modiri, um professor de jurisprudência na Universidade de Pretória. "Aqui você tem uma sociedade de maioria negra que essencialmente pede proteção a uma minoria branca. Ela revela o problema mais profundo de que você tem uma maioria neste país que fundamentalmente é desprovida de poder."
Ao aprovar essa lei, a África do Sul se somaria ao Reino Unido, ao Canadá, à França, à Alemanha e outros países onde o discurso de ódio é crime.
Mas ela se afastaria mais dos Estados Unidos, um país com quem ela compartilha um histórico de racismo contra negros por parte de brancos. Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda protege praticamente qualquer tipo de expressão, por mais ofensiva que seja.

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