O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori
Zavascki determinou nesta quinta-feira (5) o afastamento do presidente da
Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato de deputado federal. Mesmo sendo
afastado, Cunha permanece deputado, mas não pode exercer as atividades de
parlamentar, deixando, portanto, a Presidência da Casa. Ele continua com a
prerrogativa de foro privilegiado, sendo investigado pelo STF.
O peemedebista está reunido com seus advogados na
residência oficial para estudar um recurso à decisão. Ele já recebeu e assinou a notificação,
segundo sua assessoria.
Relator da Lava Jato, o ministro concedeu uma
liminar (decisão provisória) em um pedido de afastamento feito
pela Procuradoria-Geral da República, em dezembro.
O ministro afirma que Cunha não tem condições de
exercer a Presidência da Câmara diante dos indícios de que pode atrapalhar as
investigações contra ele por suposto envolvimento na Lava Jato e também de que
sua manutenção fere a imagem da Casa.
"Os elementos fáticos e jurídicos aqui
considerados denunciam que a permanência do requerido, o deputado federal
Eduardo Cunha, no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da
função de Presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as
investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo
que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada. Nada,
absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente,
justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções
públicas", diz trecho da decisão.
'DELINQUENTE'
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
apontou 11 situações que comprovariam o uso do cargo pelo deputado para
"constranger, intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e
agentes públicos com o objetivo de embaraçar e retardar investigações". Na
peça, Janot, chegou a classificar o peemedebista de "delinquente".
Em dezembro, a PGR informou que, para Janot, Cunha
"vem utilizando o cargo em interesse próprio e ilícito unicamente para
evitar que as investigações contra ele continuem e cheguem ao esclarecimento de
suas condutas, bem como para reiterar nas práticas delitivas". Janot
disse, à época, que Cunha ultrapassou "todos os limites aceitáveis"
de um "Estado Democrático de Direito" ao usar o cargo em
"interesse próprio" e "unicamente para evitar que as
investigações contra si tenham curso e cheguem ao termo do esclarecimento de
suas condutas, bem como para reiterar nas práticas delitivas".
Teori deve levar sua decisão na tarde desta quinta
para ser referendada pelo plenário do Supremo, que já tinha pautado a análise
de uma ação da Rede que pedia o afastamento de Cunha do cargo e também que ele
fosse impedido de ficar na linha sucessora da Presidência da República.
DECISÃO 'EXCEPCIONALÍSSIMA'
Em um longo despacho de 73 páginas, o ministro
reconheceu que sua decisão é "excepcionalíssima", mas apontou que
Cunha "não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento,
na sua plenitude, as responsabilidades do cargo de Presidente da Câmara dos
Deputados, pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da
Presidência da República".
Teori cita que o peemedebista foi transformado em
réu no STF, por unanimidade,
pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro sob a acusação de integrar o
esquema de corrupção da Petrobras, tendo recebido neste caso US$ 5 milhões em
propina de contratos de navios-sonda da estatal.
Ele destacou ainda que, na Lava Jato, o deputado é
alvo de outra denúncia, de mais três inquéritos na Corte e de outros três
pedidos de inquéritos que ainda aguardam autorização de Teori para serem
abertos. As investigações apuram o recebimento de propina da Petrobras e o uso
do mandato para supostas práticas criminosas.
Segundo o ministro, a saída de Cunha ainda se torna
urgente, diante da proximidade da votação do processo de impeachment da
presidente Dilma Rousseff no Senado, no dia 11, quando ela pode ser afastada
por 180 dias e o vice, Michel Temer, pode assumir sua cadeira. Com isso, Cunha
passa a ser o primeiro na linha sucessória.
Teori aponta que, como presidente da República não
pode estar no cargo sendo alvo de denúncia recebida, a mesma situação se aplica
aos substitutos e que "não há dúvida de que a condição de investigado do
Presidente da Câmara compromete a harmonia entre os Poderes da República".
"É igualmente necessário que o presidente da
Câmara dos Deputados não figure como réu em processo penal em curso no Supremo.
Isso porque, ao normatizar as responsabilidades do Presidente da República, o
texto constitucional precatou a honorabilidade do Estado brasileiro contra
suspeitas de desabono eventualmente existentes contra a pessoa investida no
cargo, determinando sua momentânea suspensão do cargo a partir do momento em
que denúncias por infrações penais comuns contra ele formuladas sejam recebidas
pelo Supremo Tribunal Federal", afirmou o ministro.
"A norma suspensiva não teria qualquer sentido
se a condução do Estado brasileiro fosse transferida a outra autoridade que
também estivesse sujeita às mesmas objeções de credibilidade, por responder a
processo penal perante a mesma instância", completou.
REDE DE ALIADOS
Para Teori, são graves os elementos indicando que
Cunha montou uma rede de aliados para obstruir os desdobramentos da Lava Jato,
sendo na CPI da Petrobras, pressionando empresários e delatores –demonstrando
desvio de finalidade–, seja manobrando no Conselho de Ética para evitar a
análise de seu processo de cassação.
"O estado de suspeição que paira sobre a
figura do atual ocupante da presidência da Casa legislativa –formalmente
acusado por infrações penais e disciplinares– contracena negativamente com
todas essas responsabilidades, principalmente quando há, como há, ponderáveis
elementos indiciários a indicar que ele articulou uma rede de obstrução contra
as instâncias de apuração dos pretensos desvios de conduta".
Teori afirma que o mandato e o cargo de presidente
"não pode servir de anteparo para a frustração da jurisdição penal",
sustenta que a liderança do Legislativo "exige escrúpulos compatíveis com
a sua altíssima honorabilidade" e que, portanto, mais intensa deve ser a
crítica judiciária a respeito da presença de riscos para o bom desenvolvimento
da jurisdição penal.
"É certo que no exercício da Presidência da
Câmara dos Deputados os riscos de reiteração da prática desses atos, a
tentativa de ocultar possíveis crimes e a interferência nas investigações são,
obviamente, potencialmente elevados."
O ministro indica que era desejável uma decisão
interna da Câmara sobre a situação de Cunha, mas aponta que o Conselho de Ética
"tem-se mostrado incapaz de desenvolver minimamente as suas atribuições
censórias em relação ao acusado."
DEMORA NA ANÁLISE
Teori justificou a demora na análise do pedido de
Janot porque precisava ser amadurecido e disse que a medida não significa um
"juízo de culpa" nem como "veredicto de condenação".
Segundo o ministro, embora o afastamento não esteja
previsto especificamente na Constituição, se faz necessário neste caso.
"Mesmo que não haja previsão específica, com assento constitucional, a
respeito do afastamento, pela jurisdição criminal, de parlamentares do
exercício de seu mandato, ou a imposição de afastamento do Presidente da Câmara
dos Deputados quando o seu ocupante venha a ser processado criminalmente, está
demonstrado que, no caso, ambas se fazem claramente devidas. A medida postulada
é, portanto, necessária, adequada e suficiente para neutralizar os riscos
descritos pelo Procurador-Geral da República", escreveu.
Nos bastidores, ministros dizem que o despacho de
Teori foi motivado pela
decisão do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e do ministro Marco Aurélio,
de colocar em julgamento a ação da Rede para afastar Cunha. Ministros dizem que
Teori já vinha dando sinais que poderia tratar o caso e não teria sido
consultado sobre a ação de Marco Aurélio.
Cunha será substituído por outro investigado na
Lava Jato, o deputado Waldir Maranhão (PP-MA).
'AÇÕES ESPÚRIAS'
O procurador-geral sustenta que Cunha "tem
adotado, há muito, posicionamentos absolutamente incompatíveis com o devido
processo legal, valendo-se de sua prerrogativa de presidente da Câmara dos
Deputados unicamente com o propósito de autoproteção mediante ações espúrias
para evitar a apuração de suas condutas, tanto na esfera penal como na esfera
política".
O pedido de afastamento cita conversa obtida no
celular apreendido de Cunha com o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, na qual
Cunha negocia um projeto de interesse do empreiteiro e pede propina, na
avaliação de Janot. "Alguns dias depois Cunha cobrou o pagamento de
valores, que, pelo teor das conversas anteriores, era em duas partes: R$
1.500.000,00 e R$ 400.000,00".
Também cita conversa com o então presidente da Andrade
Gutierrez, Otávio Azevedo, na qual Cunha acerta emendas de seu interesse. Por
isso, Janot diz que Cunha transformou a Câmara em "balcão de
negócios".
Foram encontrados ainda na busca nas residências de
Cunha documentos referentes às suas contas na Suíça, documentos referentes à
Petrobras e dossiê da CPI da Petrobras, e documentos sobre requerimentos e
emendas de deputados aliados.
Dentre os fatos já conhecidos, como o uso da
ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ) para, por meio de requerimentos em uma
comissão, pressionar o lobista Julio Camargo a lhe pagar propina da Petrobras,
e o uso de parlamentares para apresentar requerimentos contra o grupo Schahin,
que tinha uma disputa com o corretor de valores Lúcio Bolonha Funaro, pessoa
próxima a Cunha.
No caso de Funaro, a PGR aponta que ele pagou
veículos no valor de R$ 180 mil para a empresa de Eduardo Cunha, a C3 Produções
Artísticas e Jornalísticas.
Janot também cita fatos envolvendo a CPI da
Petrobras, patrocinada por Cunha e que se encerrou em meados desse ano. Diz que
a convocação da advogada Beatriz Catta Preta foi para intimida-la porque o
lobista Julio Camargo implicou Cunha em sua delação premiada e que a
contratação da empresa Kroll, por cerca de R$ 1 milhão, foi para buscar ativos
financeiros dos delatores da Lava Jato que pudessem comprometer suas delações
premiadas.
A peça também usa como argumento as manobras de
Cunha para evitar a abertura de seu processo de cassação no Conselho de Ética,
citando inclusive a entrevista do ex-relator do processo Fausto Pinato à Folha
publicada na semana passada, na qual ele disse ter recebido oferta de propina.
PLANALTO
A decisão de Teori pelo afastamento foi avaliada como tardia pela
equipe da presidente Dilma Rousseff e pelo comando nacional do PT. A avaliação
foi a de que, já que Cunha comandou todo o processo de impeachment da petista,
era melhor que ele continuasse no cargo para, na opinião deles, desgastar a
imagem do eventual governo do vice-presidente Michel Temer.
Nos últimos dias, Temer disse a aliados e
peemedebistas que iniciaria um processo de afastamento de Cunha, recebendo-o
apenas em agendas oficiais. O receio é que a imagem do presidente da Câmara
poderia contaminar a sua gestão interina.
Para auxiliares e assessores da petista, a Suprema
Corte demorou para analisar a saída do peemedebista diante das denúncias contra
ele, o que, na avaliação do Palácio do Planalto, influenciou na aprovação do
processo de impeachment da presidente.
Nas palavras de um assessor da petista, a decisão
poderia ter sido tomada antes e demonstra que Cunha não poderia ter conduzido o
processo contra Dilma.
ALIADOS
Aliados já se encaminham para a casa de Cunha, onde
ele recebeu a notificação, e se dizem "perplexos" com a decisão do
ministro.
"Ele [Zavascki] criou um fato, porque o
julgamento de hoje era outro. Não sei se o Supremo mantém isso, é uma
interferência na Câmara, uma intervenção", afirmou o deputado Paulo
Pereira da Silva (SD-SP), um dos mais próximos a Cunha.
Aliados do peemedebista sempre alimentaram o discurso de que era
impossível o STF afastar Cunha do mandato já que isso significaria uma afronta
a outro poder, uma interferência indevida e uma violência à decisão popular, já
que o mandato é dado pelo povo e só pode ser manipulado pela Câmara, que é
formada por representantes do povo.
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